"...tornar-se um professor crítico se (...) fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro."
Paulo Freire

domingo, 10 de abril de 2011

MANIFESTO DA PROFESSORA FÁTIMA GUERRA

Pronunciamento da Professora Fátima Guerra (UnB) para a Rádio Câmara sobre o Projeto de Lei 75/2011, do Deputado licenciado Luiz Pitiman (PMDB-DF), que estimula a criação de creches domiciliares para crianças de até 3 anos que morem nas áreas vizinhas, com atendimento preferencial a filhos de mães trabalhadoras.

Penso que a proposta de lei relativa às “Creches” domiciliares caminha na direção oposta das conquistas da sociedade brasileira relativas à educação das suas crianças, notadamente as menores – de 0 a 3 anos. É uma proposta que se desvia da Constituição, que explicita ser a educação um dever do Estado e, no caso da educação infantil, essa obrigatoriedade será efetivada “em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Aos mais desavisados, a referida proposta de lei pode parecer uma idéia boa. Talvez seja vista, também, pela mãe trabalhadora, como uma solução emergencial (mais uma?!?!) para resolver o problema de aonde deixar o filho enquanto trabalha. Contudo, isso não passa de uma falsa solução, além de um desrespeito ao direito das crianças (e das suas famílias) de acesso a uma educação infantil de qualidade, em instituições públicas de ensino – creches e pré-escolas. Não se pode dizer que a proposição de “creches” domiciliares reflita uma política que assegure à criança, com absoluta prioridade o seu “direito à vida, à saúde, à alimentação, e à educação”.
           Estudos e pesquisas nacionais e internacionais têm mostrado a relevância das vivências e experiências educacionais das crianças em seus primeiros anos de vida, fase em que se formam, com mais intensidade, as conexões cerebrais e as bases gerais do ser pessoal e social. O que ocorre (ou deixa de ocorrer) nos primeiros anos de vida, tende a decidir histórias e trajetórias de vida, além de ser relevante para as etapas posteriores do desenvolvimento, incluindo o período da escolarização.
          Por melhor que pareça para a mãe, uma solução para os seus problemas de conciliar seu trabalho com o cuidado e a educação dos filhos, para as crianças, “creches” domiciliares são, em si, arranjos limitados, que estão longe de poder oferecer à criança, “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. A realidade seria diferente se a criança tivesse a oportunidade de acesso a uma instituição educativa pública de qualidade. Essas sim, com melhores condições para criar um contexto estimulante e desafiador para a criança, onde ela tenha variadas oportunidades de interações com os pares e com os adultos, e de envolver-se em atividades diversificadas – individual e coletivamente, o que favorece o seu desenvolvimento e aprendizagem, aumentando assim, as suas oportunidades para ter um “desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
          Em ambientes educativos devidamente planejados, com profissionais docentes e não docentes com formação adequada, como o esperado em creches públicas, a criança poderá ter mais facilmente respeitado o seu direito à liberdade, pela disponibilidade de maiores espaços para “brincar, praticar esportes e divertir-se”. De modo geral, em uma creche pública de qualidade a criança poderá ter respeitado, também, o seu “direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. Os pais, por sua vez, poderão ter, como um direito, “ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais”. Em uma “creche” domiciliar, nada obriga a se ter uma proposta político pedagógica em si, o que é mais um fator limitante desse tipo de atendimento para a criança pequena.
          Desde a LDB (Lei 9394 de 1996), quando a educação infantil passou a ser considerada como primeira etapa da educação básica, a expectativa (e direito) da sociedade era a de que houvesse a ampliação da rede pública de creches, para as crianças de 0 a 3 anos. Tal ampliação, contudo, não se desvincula da necessidade de um ensino de qualidade. Em todas as cidades ou em todos os municípios, há que se ter isso como meta prioritária: ampliar com qualidade. Qualidade e equidade. Meta que deve, também, ser incorporada ao PRONEI - Programa Nacional de Educação Infantil para a Expansão da Rede Física (Pronei) de creches, aprovado no final do ano de 2010, como lei autorizativa; e nas ações relativas ao mais recente (início de 2011) anúncio do Governo Federal de que, em todo o país, as prefeituras terão que construir seis mil creches e escolas públicas de educação infantil, até 2014 (Programa de Aceleração do Crescimento - PAC-2).
          Não sem propósitos se afirma: “Desenvolva a criança, desenvolva a nação”. A importância de se investir na educação de qualidade é consenso universal. Essa preocupação tem sido cada vez maior - nacional e internacionalmente. Pesquisas têm mostrado que os benefícios de uma educação infantil de qualidade tendem a ser ainda maiores, no caso das crianças de famílias de baixa renda ou de grupos minoritários, visto que as alternativas de convivência em um ambiente letrado, seguro, saudável, desafiador e estimulante, que favoreça o seu desenvolvimento e aprendizagem, são mais restritas.
                 A idéia de creches domiciliares pode, à primeira vista, ser algo bom para as mães. Contudo, se houvesse a possibilidade de escolha entre esse tipo de “creche” e uma creche pública de qualidade, com proposta pedagógica adequada aos pequenos e discutida por todos os que a compõem, com profissionais docentes e não docentes devidamente formados, com um espaço seguro e acolhedor, bem iluminado e ventilado, com possibilidade de oferta de atividades diversificadas para as crianças, com espaço para as crianças se movimentarem, brincarem, correrem, tomar sol, e ainda, um trabalho aberto de parcerias entre a escola, a família e a comunidade mais ampla, certamente que a mãe escolheria essa segunda opção.
                 A direção certa da política educativa para as crianças pequenas deveria ser esta: instituições educativas da mais alta qualidade, para as crianças brasileiras.
                 Por que não oferecer já o melhor para a criança, desde o seu nascimento? Por que negar a ela o direito a um melhor começo de vida? Por que comprometer o seu futuro, afetando já o seu presente?”

3 comentários:

  1. Percebe-se que em muitos momentos da nossa história, buscam-se estratégias emergenciais e de baixo custo para atender as crianças que se encontram na idade de 0 a 3 anos de idade. Momento da vida em que o ser necessita de experiências significativas para se desenvolver, portanto, ela necessita de um espaço em que o cuidar e o educar se faça presente, um espaço adequado, com recursos materiais e sobretudo com pessoas capacitadas para estar com elas e trocar vivências. Nesse caso, o que a criança precisa é de políticas que estejam voltadas para a construção de creches públicas de qualidade e com profissionais que possuem formação para atendê-las.

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  2. Olá, Andréia!

    Gostei muito do seu blogfólio.Excelente! Fiquei feliz e orgulhosa por ter aceitado minha proposta de fazer algo diferente na questão do portifólio. Seus textos estão bem escritos e de agradável leitura.
    Se desejar, continue alimentando-o, agora como seu blog sobre a Educação Infantil. Sucesso em sua vida pessoal, familiar e profissional!
    Nota: 4,0

    Abraços, professora Maysa

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  3. Ah, amei a frase de Lispector em seu Perfil. Amo!

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